O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai lançar uma nova portaria que estabelecerá diretrizes rigorosas sobre o uso da força, que deverão ser seguidas pelas polícias civil e militar de todo o Brasil, além das guardas municipais. O novo regulamento tem como princípio o emprego de armas de fogo apenas como “último recurso”, limita as condições em que uma pessoa pode ser submetida a uma revista e exige uma justificativa formal por escrito quando o uso de algemas for considerado excepcional.
Essa iniciativa visa atualizar as normas definidas em uma portaria de 2010, reunindo em um único documento leis, recomendações e tecnologias que estavam dispersas. De acordo com especialistas do governo, o principal objetivo é diminuir a letalidade nas ações das forças de segurança.
Uma mudança significativa proposta na nova cartilha é que Estados que não aderirem a essas diretrizes poderão ser excluídos do repasse do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) destinado a ações de controle do uso da força, como a aquisição de equipamentos especializados. Anteriormente, o governo apenas “considerava” a observância das diretrizes ao fazer essas transferências. Essa alteração tem como meta incentivar os Estados a seguirem as novas orientações.
Recentemente, o Ministério da Justiça promoveu um seminário para discutir essas diretrizes e recebeu contribuições. Em nota, a pasta esclareceu que o documento ainda está em processo interno e que o prazo para sua publicação, assim como a possibilidade de consulta pública, será definido em breve.
Os dados de 2023 revelam que a intervenção policial resultou em uma média de 17 mortes diárias, totalizando 6.393 ocorrências ao longo do ano, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A violência policial tem aumentado na última década, com registros de pelo menos 6 mil mortes anuais desde 2018.
Desde janeiro, um grupo de trabalho coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, tem se reunido para discutir a nova diretriz nacional, tendo apresentado uma primeira versão em setembro. O grupo conta com a participação de representantes de várias polícias e de ministérios, incluindo Direitos Humanos e Igualdade Racial.
Sandro Avelar, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), afirmou que o colegiado só se posicionará formalmente sobre a minuta na próxima reunião em outubro, ressaltando a necessidade de ouvir os colegas secretários antes, uma vez que diferentes Estados têm visões divergentes sobre a atuação policial.
A nova portaria gerou descontentamento entre a “bancada da bala”. O deputado Alberto Fraga (PL-DF) criticou a iniciativa, classificando-a como uma demonstração de incompetência e destacando que o governo não parece reconhecer a realidade da violência no Brasil. Ele comparou o entendimento do governo sobre segurança pública a um “cavalo tocando piano”.
Por outro lado, Reinaldo Monteiro, presidente da Associação Nacional dos Guardas Municipais do Brasil e membro do grupo de trabalho, acredita que as novas diretrizes proporcionarão segurança tanto para os policiais quanto para a população. Segundo ele, o objetivo é estabelecer normas claras que respeitem os direitos humanos, promovendo um entendimento fácil para a sociedade sobre o uso da força.
Com cerca de 100 mil guardas municipais atuando no Brasil, essa força de segurança tem crescido, mas é frequentemente criticada por excesso de poder e falta de regulamentação. O Conselho Nacional do Ministério Público já criou uma Ouvidoria de Combate à Violência Policial em resposta a esses excessos.
Uma versão preliminar da nova portaria deverá ser disponibilizada para consulta pública em breve. A elaboração do documento ainda está sendo realizada na pasta do ministro Ricardo Lewandowski.
O Ministério da Justiça avalia que a falta de “protocolos claros” para o uso da força tem contribuído para a formação inadequada dos profissionais de segurança, resultando em ações violentas que, paradoxalmente, aumentam a violência.
O contexto da violência policial no Brasil é alarmante, sendo a Bahia um dos Estados com as maiores taxas. No ano passado, a polícia baiana foi responsável por 1.699 mortes, um dado que pesa sobre a gestão do PT, que está à frente do governo baiano há 17 anos.
Principais mudanças propostas
As diretrizes atuais para o uso da força estão estabelecidas na Portaria Interministerial 4.226, de 2010. O Ministério da Justiça, em janeiro, criou um grupo de trabalho para atualizar este documento, e aqui estão algumas das novas propostas:
Uso de arma de fogo:
Proposta: Utilizar como último recurso.
Atualmente: Não disparar contra indivíduos, exceto em casos de legítima defesa ou perigo iminente.
Objetivo: Alinhar a norma com princípios contemporâneos.
Gerenciamento de crise/Planejamento de operações:
Proposta: Planejar operações com base em informações de inteligência.
Atualmente: Não há diretrizes gerais.
Gravação:
Proposta: Realizar gravações de vídeo sempre que possível.
Atualmente: Não há diretrizes gerais.
Tomada de decisão:
Proposta: Documentar e justificar decisões durante operações.
Atualmente: Sem diretrizes específicas.
Abordagens de suspeitos e buscas em casas:
Regras para revista:
Proposta: O policial deve informar claramente o motivo da abordagem e os direitos do cidadão.
Atualmente: Sem diretrizes específicas.
Produção de dados:
Proposta: Registrar informações sobre a abordagem.
Atualmente: Sem diretrizes específicas.
Busca domiciliar:
Proposta: Solicitar e registrar consentimento do morador quando não houver mandado.
Atualmente: Sem diretrizes específicas.
Utilização de algemas:
Proposta: Uso apenas em casos de resistência, risco de fuga ou perigo à integridade; justificativa por escrito para uso excepcional.
Atualmente: Sem diretrizes específicas.