SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma eventual redistribuição de parte dos R$ 19,5 bilhões que estavam designados a emendas de relator para outras emendas existentes no Congresso Nacional não deve resolver o problema da falta de transparência nem o da distorção em políticas públicas que esse tipo de verba causa.
Organizações anticorrupção e ligadas à fiscalização e promoção da transparência afirmam que, apesar do fim das brechas especificamente relacionadas às emendas de relator, ainda é necessário aperfeiçoar mecanismos do Orçamento para melhor acompanhamento dos gastos empenhados.
Desde a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) nesta segunda-feira (19), declarando que as emendas de relator são inconstitucionais, diferentes cenários vêm sendo aventados por parlamentares para manter no Legislativo poder de influir sobre a destinação do montante.
A solução que vem sendo costurada por líderes do Congresso é repassar metade do dinheiro das emendas de relator para as emendas individuais, com o valor dividido de forma igualitária entre todos os parlamentares. A outra metade seria distribuída para o orçamento dos ministérios.
A manobra vem sendo debatida em meio à negociação para a aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que eleva a permissão de gastos do governo eleito.
Além disso, o relatório da PEC, ainda abre espaço para que o relator do Orçamento decida em que ações os recursos serão gastos, com possibilidade de manter a influência da cúpula do Congresso na liberação da verba.
Professora da FGV-SP e procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane avalia que houve um reequilíbrio de forças entre o Legislativo e Executivo a partir da decisão do STF, dividindo poderes sobre o Orçamento.
“Tal estratégia tende a contornar a decisão do STF sobre as emendas de relator, mantendo e até ampliando proporcionalmente a chance de alocação arbitrária dos recursos via ‘pix orçamentário'”, diz, referindo-se à transferência de recursos de emendas individuais às bases sem critérios e nem transparência.
Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, afirma que as emendas individuais têm mais transparência que as emendas de relator, mas pecam por critérios frágeis e pouco detalhamento, o que dificulta a fiscalização inclusive por organizações especializadas no assunto.
Para o economista Gil Castello Branco, presidente da Associação Contas Abertas, a melhor escolha em termos de transparência seria destinar o dinheiro apenas para as emendas de comissões, que precisam justificar o interesse nacional na proposta.
“Se você reúne parlamentares de diversas origens e eles decidem fazer emendas para determinadas áreas, muito provavelmente elas terão mais consistência e contemplam mais o interesse público do que as emendas individuais”.
“As emendas individuais, agora com valores aumentados, também vão acabar distorcendo as políticas públicas. Isso já se falava, porque muitas vezes elas atendem apenas aos interesses do parlamentar que quer enviar recurso para determinado local pensando nas próximas eleições”, diz
Kátia Brembatti, presidente do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, afirma que o cenário é melhor, mas que a divisão ainda dá poder excessivo para o Congresso sobre o Orçamento.
“Há um volume expressivo que acaba sendo usado para barganha política, com dificuldade de controle e, principalmente, sem que as reais prioridades de investimento sejam consideradas”, diz.
No documento entregue pelo Fórum ao grupo de trabalho de transparência do gabinete de transição, o uso das emendas de relator era apontado como o principal problema a ser enfrentado.
Para Brembatti, destinar o dinheiro apenas para emendas de comissões também não seria a melhor solução.
“Precisa haver uma racionalidade que ultrapasse os interesses político-eleitorais na hora da aplicação desse dinheiro, porque sabemos como as comissões são formadas e comandadas. Esse dinheiro deveria ser priorizado para o Executivo e não para o Legislativo, com critérios claros para o gasto desse recurso”, diz.
Ao longo de 2022, mais de R$ 16,5 bilhões foram destinados às chamadas emendas de relator.
Castello Branco afirma que, após a decisão de segunda-feira (20), o STF ainda precisa esclarecer o que acontecerá com os mais de R$ 4 bilhões autorizados neste ano, mas ainda não pagos.
Diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, Fernanda Campagnucci afirma que a decisão do STF foi um basta tardio para algo que nunca deveria ter existido.
“A gente se vê discutindo o que fazer com quase R$ 20 bilhões porque era um volume que não deveria estar nesse lugar. Há mecanismos legítimos de emendas que foram preteridos pelo orçamento secreto”, diz.
Atoji, da Transparência Brasil, também entende a decisão como uma vitória, mas diz que o debate por maior transparência nas contas públicas deve ser intensificado.
“A pauta não se encerra com isso, a gente só volta pro momento pré-emendas de relator”, disse.
Ela diz ver como positiva a sinalização do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de retomar a participação social em órgãos e mecanismos de controle da máquina pública, além de manter a independência de organismos essenciais ao combate à corrupção.
Já Bruno Brandão, diretor executivo da Transparência Internacional Brasil, afirma que, apesar de avanços nos governos petistas na pauta anticorrupção, não é possível cravar o apoio de Lula às pautas de transparência e integridade pública.
Ele avalia que há ambiguidade do presidente eleito sobre o tema, o que credita a uma sinalização de um movimento maior no PT de não apurar ou não fazer uma avaliação própria sobre os esquemas de corrupção que ocorreram nos governos da sigla.
* com informações da UOL