O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acredita que o Congresso Nacional “está vestindo a camisa do Brasil” ao aprovar medidas importantes na pauta econômica. Um dia depois da aprovação, na Câmara, dos projetos de lei sobre taxação dos super-ricos e das empresas offshore — imediatamente após a demissão de Rita Serrano da presidência da Caixa —, Haddad vê com confiança os avanços no Legislativo. Um dos ministros mais articulados com o Congresso, Haddad se diz satisfeito com o encaminhamento da reforma tributária no Senado, apesar do grande número de exceções.
Em entrevista, chefe da Fazenda afirma ser fundamental corrigir uma sucessão de erros, acumulados nos últimos 10 anos, que corroeram a base fiscal do Estado. Sem querer fazer um “cavalo de batalha” com o Banco Central, Haddad observa ainda a discrepância entre uma taxa de juros a 12,75% para uma inflação anual abaixo de 5%.
O governo conseguiu destravar a pauta econômica na Câmara, coincidência ou não, depois das mudanças no comando da Caixa. A missão foi cumprida?
Estamos um pouco longe de a missão estar cumprida, por uma série de desafios que estão colocados, internos, mas, sobretudo, externos. Houve uma deterioração do cenário internacional. As taxas de juros norte-americanas são uma preocupação grande do mundo inteiro. Felizmente, o Brasil não é um país endividado em dólar. Até alguns anos atrás, não se imaginava que as taxas de juros internacionais fossem chegar a esse patamar. Além disso, há uma desaceleração importante da Ásia. Isso tem reflexos, porque tem uma espécie de superprodução que está sendo desovada no mercado internacional de vários bens e serviços. Então, você tem uma produção asiática que não está sendo consumida internamente e está sendo despejada no mundo. E duas guerras. Então, é um cenário internacional muito desafiador.
E no Brasil?
Do lado doméstico, estamos tendo uma queda de arrecadação em virtude da taxa de juros. Hoje, estamos com ela em 12,75%. Se você pegar a taxa real de juros (descontada a inflação) praticada no Brasil, ela está no campo da retração econômica. É contracionista. E o terceiro trimestre virá com indicadores preocupantes. Estamos falando de algo em torno de zero de crescimento. Isso também preocupa, porque está afetando as receitas e acaba impactando o plano de voo que tínhamos traçado no começo do ano. Tudo isso é muito desafiador.
Há algo positivo nesse cenário?
O lado bom dessa história é que o Congresso está vestindo a camisa do Brasil e está botando a agenda para andar. Fomos muito bem-sucedidos nas votações do primeiro semestre. E o que eu disse e repito é que eu gostaria de ter um segundo semestre tão bom quanto o primeiro do ponto de vista da relação com o Congresso. E tenho falado com o presidente (da Câmara, Arthur) Lira e o presidente (do Senado, Rodrigo) Pacheco semanalmente, às vezes, diariamente.
O senhor, esta semana mesmo, teve uma reunião longa com Lira.
Foram duas horas de reunião. Também estive com o presidente Pacheco, que também está muito solícito. Tenho falado da gravidade da situação, da necessidade de continuarmos a procurar blindagem para proteger a economia brasileira desses eventos. Tenho falado também com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Eles próprios reconhecem que a taxa de juros está contraindo a atividade econômica, e tenho levado isso ao conhecimento deles desde março. Quando estava todo mundo eufórico com o PIB do primeiro trimestre deste ano, eu fui uma das únicas vozes que falou: “Não vamos nos iludir, nós vamos ter um período difícil se não mudarmos a política econômica”.
Que fatores contribuíram para essa situação?
Nós tivemos, em 2017, dois eventos disruptivos a que os analistas de mercado prestaram pouca atenção. O primeiro foi a decisão do Supremo Tribunal Federal de retirar da base de cálculo do PIS-Cofins o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Isso foi uma hecatombe na Receita Federal, que está produzindo efeitos até agora. Ontem (quarta-feira), tivemos uma perda de R$ 3,8 bilhões na Justiça, de compensação de PIS-Cofins, de uma decisão tomada em 2017. O segundo evento foi a derrubada do veto à Lei Complementar 160 (que tratava da cobrança de imposto de incentivos de ICMS). Aí foi o Congresso, o que causou um prejuízo de R$ 50 bilhões ao ano. A Medida Provisória 1.185 visa reparar isso.
Não é esse o ponto que o Congresso está com dificuldade em aprovar?
Tudo tem dificuldade. O (projeto de lei que taxa) fundos exclusivos e offshore, até outro dia, não ia passar. O projeto de lei do Carf e a reforma tributária, até outro dia, não iam passar. Então, se a gente olhar para o bicho e ficar com medo, não enfrenta o bicho. O bicho está aí. E vamos explicando, conversando, porque isso é natural, isso é da democracia. A reação é natural, algo do tipo “não conheço o assunto, não quero”. Aí, você vai explicando, mostra o que aconteceu, (alerta que, se não aprovar,) vai ser ruim para o Brasil. Não é a Fazenda que está em jogo, é o Brasil. São 10 anos criando distorções no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. A única coisa comum entre esses três Poderes era essa, criar distorções. Agora nós estamos no momento de conciliação dos Poderes para, justamente, rever essas distorções em proveito do desenvolvimento do país.
As propostas aprovadas na Câmara não ficaram exatamente como a Fazenda defendia. O senhor ficou satisfeito?
Reforma tributária, Carf, fundos, offshore, tudo isso envolve negociação, tem muitos interesses que se colocam. Temos uma cultura de rico não pagar imposto, mas isso é uma coisa histórica no Brasil, não é culpa desta legislatura ou deste governo. É algo que tem 500 anos. Então, os impostos sempre recaíram sobre os mais pobres. E o que nós falamos, desde o começo, é que o ajuste fiscal necessário tinha que começar pelo gasto tributário, cortando o gasto tributário. Porque são benefícios que foram dados e nunca retirados e que não trouxeram desenvolvimento para o país. Não geraram emprego, não geraram riqueza, não geraram inovação. As desigualdades só aumentaram.
Em que momento tomamos esse caminho errado?
Há 10 anos, nós estamos tomando medidas, acreditando que elas proporcionariam mais crescimento, e isso não aconteceu. Nós tomamos o caminho errado. É preciso rever esse caminho. Desapareceu do noticiário o compromisso com o equilíbrio das contas. E desorganizou-se o Estado brasileiro, incluindo o teto de gastos, que mais desorganizou do que organizou. Criou uma panela de pressão de gastos reprimidos e, por baixo disso, desonerando impostos, porque, da maneira como o teto estava estabelecido, você corroía a base fiscal do Estado. A política pública no Brasil virou a corrosão da base fiscal do Estado. Então o gap, em vez de diminuir, aumentou. É isso que acabou acontecendo.
O que tem sido feito para mudar esse quadro?
Desde dezembro do ano passado, tudo o que eu tenho feito é esclarecer à opinião pública o que aconteceu, com dados. Nós temos que rever essa estratégia de desenvolvimento. Ela está errada. O novo marco fiscal é a combinação do que tinha de virtude na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), mas corrigindo seus defeitos, como, por exemplo, não ter mecanismos anticíclicos. Do lado do teto de gastos, levar em consideração que uma regra de gasto é importante, mas não aquela. Aquela acabou gerando um desencontro de contas. Então, à luz da experiência internacional e dos erros cometidos no passado recente, nós procuramos apresentar um marco fiscal sustentável. E, na minha opinião, os parâmetros da medida da lei complementar estão em ordem. Mas eles têm que vir acompanhados da correção das distorções tributárias.
Quais são as correções tributárias mais urgentes?
São essas que estamos encaminhando agora. Mas não é porque uma lei vai para o Congresso que nós paramos de trabalhar e ficamos na arquibancada, aguardando a solução do problema. A turma está trabalhando diuturnamente, desde dezembro do ano passado, mapeando os problemas.
E a reforma tributária? Já tem muito especialista reclamando que essa reforma está criando muitas exceções e está sendo desvirtuada.
Nós fizemos a conta do que ela implica. Sabíamos que haveria exceções. O Brasil não vai sair de um padrão onde só tem exceção — não tinha regra, portanto — para um mundo em que não há exceção. Essa migração estava mais ou menos na nossa conta. O número de exceções está excessivo para um país que tem o sistema tributário em ordem. Para um país caótico como o Brasil, é uma transição que, inclusive, impõe no texto constitucional a obrigatoriedade de revisão das exceções a cada cinco anos, para saber se elas estão ou não produzindo os resultados pretendidos. Então, eu creio que nós estamos no bom caminho.
Então, se aprovar do jeito que está, já é um avanço?
Eu não tenho como negar que Baleia Rossi, Aguinaldo Ribeiro, Eduardo Braga foram parceiros do país na interlocução com a Fazenda para chegar a esse resultado. Sei de todos os constrangimentos que eles passaram. As pressões são medonhas, enormes e de gente conhecida. Porque a população que está lá, acordando às quatro da manhã, não vem aqui no Congresso pedir nada, né? Eu sei como funciona, vocês sabem também. Eles foram muito resilientes e republicanos na conversa conosco.
Com informações do Correio Brasiliense