Nova York — Aplaudido sete vezes ao longo de seu discurso, sem contar os tradicionais aplausos de encerramento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou ao púlpito do plenário das Nações Unidas com ares de quem tinha razão, quando, há 20 anos, no seu primeiro discurso naquela tribuna, conclamou o mundo a lutar contra a fome e a miséria.
Desta vez, com a situação da pobreza agravada globalmente; as questões climáticas exigindo decisões urgentes; e tensões na geopolítica, com a guerra na Ucrânia e o receio de divisão do mundo entre China e Estados Unidos, as cobranças de Lula foram bem recebidas.
O presidente cobrou recursos, diálogo e mudanças na governança global. E obteve apoio. Pelo menos, uma dessas bandeiras foi repetida pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que falou em seguida e defendeu a reforma da Organização das Nações Unidas (ONU) e do seu Conselho de Segurança.
Ao contrário do que fez seu antecessor, Jair Bolsonaro, em 2019, ao estrear na ONU, Lula não citou o governo anterior. A única referência velada ao ex-presidente surgiu quando o petista falou do neoliberalismo como um sistema que fracassou na solução das desigualdades que se agravam em todo o planeta.
“O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio aos seus escombros, surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. Muitos sucumbiram à tentação de substituir o neoliberalismo por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”, disse, num dos momentos que arrancaram palmas da seleta plateia.
Os aplausos vieram logo no início, quando Lula mencionou que o Brasil estava de volta ao multilateralismo. Foram repetidos quando falou da igualdade racial e de salários entre homens e mulheres e da redução do desmatamento no Brasil este ano: 48%.
Também houve palmas quando citou liberdade de imprensa e Julian Assange, fundador do Wikileaks, que revelou ao mundo vários segredos guardados a sete chaves na espionagem dos Estados Unidos sobre outros países. “É fundamental preservar a liberdade de imprensa. Um jornalista, como Julian Assange, não pode ser punido por informar a sociedade de maneira transparente e legítima. Nossa luta é contra a desinformação e os crimes cibernéticos”, ressaltou.
Lula aproveitou para citar mais uma vez o lema que adotará neste período em que o Brasil presidirá o G20, a partir de dezembro, “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”, e avisou: “A presidência brasileira vai articular inclusão social e combate à fome; desenvolvimento sustentável e reforma das instituições de governança global”.
Turbilhão de crises
Ele fez ainda uma reflexão sobre o cenário global que encontrou ao assumir a Presidência do Brasil pela terceira vez. “A comunidade internacional está mergulhada em um turbilhão de crises múltiplas e simultâneas: a pandemia da covid-19, a crise climática, e a insegurança alimentar e energética ampliadas por crescentes tensões geopolíticas”.
As bases que o Brasil pretende lançar ao presidir o G20 permearam todo o discurso, que o chefe do Executivo resumiu na palavra desigualdade: “O racismo, a intolerância e a xenofobia se alastraram, incentivadas por novas tecnologias criadas supostamente para nos aproximar”, frisou. “Se tivéssemos que resumir em uma única palavra esses desafios, ela seria desigualdade. A desigualdade está na raiz desses fenômenos ou atua para agravá-los.”
O chefe do Executivo enfatizou que “a desigualdade precisa inspirar indignação”. “Indignação com a fome, a pobreza, a guerra, o desrespeito ao ser humano.”
Nesses pilares, Lula fez questão de lembrar aos representantes dos outros 192 países da ONU que “os 10 maiores bilionários possuem mais riqueza do que os 40% mais pobres da humanidade”. E citou que “os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera”.
Foi a senha para que o presidente cobrasse o cumprimento dos compromissos firmados no Acordo de Paris, em 2015, e no Marco Global da Diversidade, no ano passado, em Montreal.
“Sem a mobilização de recursos financeiros e tecnológicos não há como implementar o que decidimos no Acordo de Paris e no Marco Global da Biodiversidade”, destacou. “A promessa de destinar US$ 100 bilhões — anualmente — para os países em desenvolvimento permanece apenas isso, uma promessa. Hoje, esse valor seria insuficiente para uma demanda que já chega à casa dos trilhões de dólares.”
A guerra na Ucrânia, que será tratada mais detalhadamente hoje, no encontro de Lula com o presidente ucranino, Volodomyr Zelensky, foi citada como algo que “escancara a incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da carta da ONU”. Lula enfatizou que o Conselho de Segurança da ONU vem perdendo “progressivamente credibilidade” e precisa ser reformado.
Instalados na bancada reservada ao Brasil, ao lado da primeira-dama, Janja, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ouviam atentamente.
O presidente ucraniano, que ficou na terceira bancada em frente à comitiva brasileira, foi um dos poucos que não aplaudiu o discurso de Lula. Preferiu aplaudir Biden, que condenou as ações da Rússia.
Com informações do Correio Braziliense