A invasão militar da Rússia à Ucrânia causa desdobramentos sobre a inflação global e a retomada econômica que já começa a ser sentida pelos países. A oscilação da bolsa de valores pelo mundo é um primeiro termômetro e o dólar segue em alta nesta manhã de quinta-feira, 24 de fevereiro. No Brasil, o impacto pode chegar com mais peso para o tradicional pão francês e à gasolina, bem como na desvalorização do real.
Em termos de relações comerciais, os dois países estão longe de encabeçar o ranking das exportações e importações brasileiras. Para se ter uma ideia, em 2021, o valor que o Brasil exportou para a Rússia foi quase 20 vezes menor que o comercializado para os Estados Unidos, um dos principais parceiros comerciais do País.
No caso das exportações cearenses para os dois países, a diferença foi ainda maior no período: vendemos mais de mil vezes menos para o mercado russo que para o norte-americano. Quando a comparação é com a Ucrânia, as comparações são ainda mais desproporcionais.
Ainda assim, há motivos de sobra para o estado de alerta. Uma delas vem do fato de que duas importantes commodities (produtos sem valor agregado), o trigo e o petróleo, que estão entre os carros-chefes das economias dessas duas nações, têm suas cotações internacionais em elevação, desde que a tensão diplomática e militar aumentou na região até a invasão propriamente dita na madrugada desta quinta-feira, 24.
Nestas últimas semanas, o consultor na área de combustíveis e gás, Bruno Iughetti, lembra que o preço internacional do barril de petróleo beirou os US$ 104 já na última sexta-feira, 11, e se manteve na casa dos US$ 90, com a escalada da crise entre Rússia e Ucrânia. Porém, com o ataque da Rússia contra a Ucrânia, o Petróleo voltou a passar dos US$ 100, no maior valor desde 2014, ou seja, em oito anos.
Segundo o especialista, a formação do preço da gasolina, que chega às refinarias brasileiras, tem dois fatores principais. Um deles é o dólar que volta a subir em caso de acirramento da crise. O outro é, justamente, a cotação do barril do petróleo. “Então, é uma situação extremamente delicada e, se evoluir para um conflito armado, esse valor pode chegar a US$ 120”, projeta.
No caso do pão e de outros derivados do trigo, conforme O POVO adiantou, a Rússia e a Ucrânia, são, respectivamente, o primeiro e o sexto maiores produtores mundiais do grão, representando cerca de 30% desse mercado exportador.
Um enfrentamento militar de ambos, impacta diretamente nessa cadeia, tanto em termos de oferta quanto em termos de cotação internacional da commodity. Assim, mesmo que a maior parte do trigo consumida no Brasil tenha origem argentina, uma elevação no preço global do produto acaba por chegar às prateleiras dos supermercados e às padarias.
O economista Ricardo Eleutério, do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), acredita que o País, como um todo, já está sentido os efeitos da crise entre russos e ucranianos.
“Somente o impacto da elevação do preço do barril de petróleo, deixando o combustível mais caro por aqui já é um fator muito forte de pressão inflacionária. Aí, o Banco Central tem que pesar mais a mão na elevação das taxas de juros, o que gera menos crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), por tabela”, exemplifica.
Já o presidente da Câmara Setorial de Comércio Exterior do Ceará, Hermes Monteiro, minimiza o impacto de um eventual conflito entre russos e ucranianos para o Estado. “Na exportação para a Ucrânia, por exemplo, a gente tem uma pauta muito pequena relacionada aos calçados. No caso das importações que fazemos da Rússia, os principais produtos na nossa pauta são combustíveis, metais e fertilizantes”, cita.
“A preocupação está no que pode acontecer realmente na Zona do Euro, para onde exportamos, principalmente, frutas. Quanto aos Estados Unidos, só haveria risco em caso de uma guerra em que aquele país se envolvesse, que causaria uma alta mundial na inflação”, conclui Monteiro, ao citar dois atores geopolíticos envolvidos, em maior ou menor grau, na crise do Leste Europeu.