Ainda sem vislumbrar uma vaga permanente no cobiçado Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil assume, hoje, e por apenas um mês, a presidência rotativa do mais importante órgão da estrutura da ONU. O país, que assumiu a vaga de representante da América Latina no mandato de 2022 a 2023, e presidiu o colegiado em julho do ano passado, segue pleiteando um assento permanente. Mas, nesta breve passagem pelo comando do Conselho de Segurança, é pequena a margem de manobra para fazer avançar o debate sobre a reformulação do grupo.
A vaga permanente no órgão garantiria ao Brasil o direito de veto de resoluções, fator que vem causando o impasse nas discussões do colegiado. Como os membros permanentes — Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China — têm poder de vetar as resoluções do órgão, não há, na prática, como construir consensos neste momento em que a guerra na Ucrânia dividiu o organismo. A composição atual é chamada de 3 2, com Estados Unidos e seus aliados europeus de um lado (apoiando a Ucrânia), e China e Rússia, do outro. “O Conselho de Segurança está muito polarizado, e o Brasil atua fazendo a ponte entre os dois grupos”, disse o secretário de Assuntos Multilaterais Políticos do Itamaraty, embaixador Carlos Márcio Cozendey.
Apesar de a presidência ser uma posição protocolar, o Itamaraty espera usar esse curto período na liderança do grupo para tentar romper essa polarização e propor uma mudança de foco da atuação do colegiado, no sentido de agir de forma mais efetiva na contenção de novos conflitos.
Mesmo com a elevada pretensão brasileira de buscar uma agenda que restaure a confiança entre as potências, diminuindo a tensão mundial, a diplomacia do governo de Luiz Inácio Lula da Silva aposta em avançar com a estratégia de incluir novos atores. Com esse objetivo, o próximo “signature event” — principal reunião do mês, definida pela presidência de plantão — irá debater, em 20 de outubro, a importância dos organismos multilaterais regionais e sub-regionais na prevenção de conflitos, com a presença do chanceler Mauro Vieira. “A agenda não é totalmente determinada pela presidência. Uma das formas de dar mais destaque é a presidência da reunião ser liderada pelo ministro das Relações Exteriores”, avaliou o diplomata.
Missão
Mesmo com pouco espaço para encaminhar temas de interesse do Itamaraty, o país vai encontrar uma agenda já definida que abraça questões importantes para a política externa brasileira, como a crise humanitária no Haiti. Até amanhã, é esperada a votação, pelo Conselho de Segurança, do endosso a uma missão multilateral de apoio ao governo haitiano, que pode contar com a presença de alguns policiais militares brasileiros.
A missão será comandada pelo Quênia, que se propôs a enviar a maior parte do contingente policial que irá reforçar o patrulhamento de instalações estratégicas do país caribenho, como portos, aeroportos e usinas de geração de energia. Além do envio de um pequeno contingente, o Brasil pode reforçar a missão com equipamentos para as forças de segurança locais. Há anos, o Haiti vive um caos institucional, em que o governo perdeu o controle das principais cidades para gangues armadas que acabam sendo confrontadas por milícias paramilitares. Só com a restauração de uma ordem mínima é que o Brasil poderá, por exemplo, retomar acordos de cooperação que estão paralisados.
Cozedey ressalva, porém, que essa ajuda não se dará nos moldes da atuação do país na força de paz criada pela ONU em 2004, que foi comandada por militares brasileiros. “Eventualmente, podemos atuar de forma pontual, mas precisamos ver primeiro qual o desenho desse apoio”, disse o embaixador. Mas persiste um impasse com a China e a Rússia, que se opõem em aprovar operações mais complexas que possam ser interpretadas como intervenção no governo do país.
Fora da agenda
Com a difícil missão de construir consensos entre os dois blocos que vivem uma espécie de nova guerra fria, a diplomacia brasileira tenta fugir do tema mais espinhoso, a invasão da Ucrânia pela Rússia, pois entende que os dois países vão insistir por mais tempo na estratégia militar antes de abrirem espaço à discussão de um tratado de cessar-fogo que leva à paz negociada.
O Itamaraty aponta que assumir o Conselho de Segurança não favorece a reivindicação por um assento permanente no colegiado, mas destaca ser uma importante vitrine para o país mostrar trabalho. “Se você pretende ser um membro permanente, é importante mostrar a sua capacidade de construir consensos”, observou o embaixador Cozendey. O Brasil estava fora do colegiado da ONU desde o biênio 2010-2011, mas ainda é o segundo maior participante do Conselho, tendo pertencido por 22 dos 78 anos de existência do grupo, só perdendo para o Japão, que teve uma cadeira no colegiado por 23 anos.
Com informações do Correio Braziliense