Os diálogos encontrados pela Polícia Federal no telefone celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do Palácio do Planalto na gestão de Jair Bolsonaro (PL), mostram como eram feitos os pedidos para saques em dinheiro vivo e pagamentos para atender aos interesses da então primeira-dama Michelle Bolsonaro.
As mensagens, obtidas com exclusividade pelo UOL, eram enviadas a Mauro Cid por duas assessoras dela, Cintia Nogueira e Giselle Carneiro, que costumavam se referir a Michelle como “dama” ou pela sigla “PD”. Cid foi preso no último dia 3 de maio por suspeita de um esquema de fraude em certificados de vacina.
A defesa do ex-presidente e da ex-primeira-dama afirma que as despesas de Michelle Bolsonaro eram custeadas com recursos da conta pessoal de Bolsonaro e nega categoricamente a existência de desvio de recursos públicos — um dos focos da investigação da PF.
Pelas mensagens obtidas e transcritas pelos investigadores com autorização judicial, as assessoras forneciam dados de contas para a realização de depósitos a terceiros, transmitiam solicitações da primeira-dama para saques em dinheiro e também pediam depósitos em espécie para a conta dela.
A investigação teve acesso às mensagens de Mauro Cid após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes ter ordenado a quebra do seu sigilo telemático. As conversas estavam salvas na nuvem de seu aparelho celular. Após constatar a suspeita de desvios de recursos públicos, Moraes também autorizou a quebra do sigilo bancário de Cid e outros funcionários do Planalto.
A PF encontrou, nos primeiros diálogos analisados, um conjunto de 13 comprovantes de depósitos em dinheiro vivo feitos por Mauro Cid na conta de Michelle entre março e agosto de 2021, que totalizaram R$ 21.500. A investigação agora analisa as quebras de sigilo bancário para identificar as transações entre 2019 e 2022, durante toda a gestão de Bolsonaro.
Na análise inicial, a PF identificou dez solicitações de saques em dinheiro vivo feitas pelas assessoras de Michelle a Mauro Cid entre março e outubro de 2021, totalizando cerca de R$ 5.600.
Nos diálogos, as assessoras da então primeira-dama ordenam pagamentos para serviços prestados a ela, como costureira, podóloga e até mesmo um veterinário. Também pedem depósitos mensais para Rosimary Carneiro, que era titular do cartão de crédito usado pela então primeira-dama, e para familiares de Michelle.
“O conjunto probatório colhido durante o estudo do material apreendido (inclusive o contido em nuvem) permite identificar uma possível articulação para que dinheiro público oriundo de suprimento de fundos do governo federal fosse desviado para atendimento de interesse de terceiros, estranhos à administração pública, a pedido da primeira-dama Michelle Bolsonaro, por meio de sua assessoria, sob coordenação de Mauro Cid”, informa a Polícia Federal, em relatório parcial da investigação.
Reportagens do UOL mostraram que a ordem durante a gestão de Bolsonaro era usar dinheiro vivo para o pagamento dessas despesas da primeira-dama e que Mauro Cid manifestou preocupação que o caso fosse caracterizado como uma “rachadinha”, semelhante à acusação feita contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A PF inclusive detectou depósitos feitos por Mauro Cid para a conta de Michelle.
O UOL também revelou que uma empresa com contrato na Codevasf fez repasses a um funcionário da Ajudância de Ordens que era responsável por sacar dinheiro vivo para pagar despesas da primeira-dama.
O UOL reproduz os diálogos capturados e transcritos pela Polícia Federal entre o ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro com Giselle Carneiro e Cíntia Nogueira, assessoras de Michelle Bolsonaro. As mensagens de Cid aparecem na cor branca e a das assessoras na cor verde. A grafia foi mantida conforme a transcrição.
Sem identificação da origem A análise do material obtido no telefone celular de Mauro Cid ainda está em andamento. Como o aparelho dele foi apreendido no momento de sua prisão no último dia 3 de maio, a PF vai buscar novas provas para aprofundar a investigação sobre a suspeita de rachadinha no Palácio do Planalto.
O uso de pagamentos em dinheiro vivo, na avaliação da PF, tinha o objetivo de dificultar o rastreamento de onde saiu o dinheiro. Em um conjunto de 85 comprovantes de depósitos e de pagamentos encontrados no celular de Mauro Cid, apenas cinco desses documentos identificavam a conta de Jair Bolsonaro como a origem dos recursos ?o restante envolvia transações em dinheiro vivo.
Nessa análise inicial, a conta do presidente foi usada para o pagamento de alguns boletos de despesas do casal e para uma transferência de recursos à conta de Michelle.
Os 13 comprovantes de depósito feitos na conta de Michelle entre março e agosto de 2021, por exemplo, foram todos em dinheiro vivo, sem comprovação da origem.
Apenas no mês seguinte, em setembro de 2021, foi feita uma transferência que partiu da conta de Jair Bolsonaro para a de Michelle. Uma das assessoras dela, Cintia, encaminhou a Mauro Cid no dia 10 de setembro de 2021 a solicitação para duas transferências: uma no valor de R$ 4.500 para pagamento do cartão de crédito dela e outra no valor de R$ 4.100, sem especificar a finalidade.
Cid respondeu com espanto: “Caramba. 8600?!?”. Horas depois, o ajudante de ordens enviou o comprovante de transferência bancária demonstrando que esse repasse saiu da conta de Jair Bolsonaro.
Outro lado Procurado, o advogado Fábio Wajngarten, responsável pela defesa de Bolsonaro e Michelle, afirmou que as despesas da então primeira-dama eram custeadas com recursos da conta pessoal de Bolsonaro e que não houve desvio de recursos públicos.
A defesa do (ex)-presidente Jair Bolsonaro reitera que todos os pagamentos e custos de sua família de pequenos gastos/fornecedores informais tinham como origem recursos próprios”, afirmou a defesa em nota.
Em entrevista à revista “Veja” na semana passada, Michelle afirmou que todos os recursos sacados por Cid para o pagamento de suas despesas eram provenientes da conta bancária de seu marido.
“Antes do Jair se tornar presidente, eu administrava as contas da nossa casa. Quando chegamos no Alvorada, tinha essa figura para fazer esse trabalho. Pagar as despesas do dia a dia. A gente tinha vários eventos, uma demanda muito grande de trabalho, então a gente deixava tudo na planilha. Eu passava para a minha assessora, que passava para o Cid, que tinha acesso ao cartão pessoal. Ele sacava e pagava a manicure, ou cabeleireiro, um dinheiro para o lanche das criança”, disse Michelle à revista.
O advogado de Mauro Cid, Bernardo Fenelon, afirmou que se manifestará apenas nos autos “em respeito ao Supremo Tribunal Federal”.
Com informações da UOL