Numa iniciativa inédita, os governos do Brasil e da China vão assinar um compromisso de combater a fome e a pobreza extrema, prevendo até mesmo a construção de uma aliança nos organismos multilaterais para colocar o tema na agenda internacional. O acordo será assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante sua visita ao líder chinês, Xi Jinping. A delegação brasileira desembarca no domingo em Pequim.
A partir da assinatura do mecanismo, os dois governos vão iniciar trabalhos para implementar as medidas. Do lado brasileiro, a missão ficará com os Ministérios do Desenvolvimento Social e do desenvolvimento Agrário. Um primeiro encontro entre ministros já está programado para as próximas semanas. Mas o acordo prevê uma cláusula para a colaboração multilateral, inclusive na construção de uma aliança contra a fome. A iniciativa representa uma mudança na geografia dos pactos criados pelo Brasil nos últimos anos. Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o Itamaraty se concentrou em fechar alianças com governos de ultradireita e conservadores em temas como a defesa da família, religião e um pacto antiaborto.
A pauta ideológica no estabelecimento da agenda começa a ser substituída por uma agenda social. Dentro do Itamaraty, o gesto tem como objetivo reposicionar o Brasil no debate internacional, justamente em um tema que retornou ao centro da agenda diante da guerra na Ucrânia: a fome.
O texto do acordo com a China, consultado com exclusividade pelo UOL, é a primeira formulação concreta de uma ideia que já vinha sendo citada por Lula. Antes mesmo de assumir a Presidência, durante a Cúpula da ONU para o Clima, no Egito, o então presidente eleito mencionou sua vontade de costurar uma aliança contra a fome. No início de março, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, o ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida, também apontou em seu discurso para uma nova configuração do posicionamento internacional do Brasil.
Ele propôs a criação de quatro alianças em torno da sobrevivência, da vida decente, do direito ao desenvolvimento e da luta contra o ódio.” “Temos a plena consciência de que, mesmo trabalhando com todas as nossas capacidades, precisamos do mundo”, disse. “Precisamos não só erradicar a pobreza, mas também promover a dignidade do trabalho e do lazer. Mesmo aqueles que se acham privilegiados vivem hoje inseguros e adoecidos por um modo de produzir e distribuir riquezas que não deixa vencedores”, disse.
Mas a parceria com a China para lançar a ideia não ocorre por acaso. Hoje, é o chinês Qu Dongyyu quem comanda a FAO, a agência da ONU para Alimentos e Agricultura. O Brasil, há poucas semanas, deu seu apoio para a reeleição do dirigente chinês ao cargo em Roma e Lula chegou a se reunir com a agência em Buenos Aires. A FAO, portanto, seria um instrumento central nessa futura aliança.
O país asiático ainda foi o primeiro a atingir as metas da ONU de reduzir pela metade o número de pessoas vivendo em extrema pobreza. Em 40 anos, milhões de pessoas foram retiradas da situação de miséria extrema, avaliada em uma renda de US$ 1,9 por dia.
Mas a constatação nos últimos anos foi de que os avanços podem ser desfeitos sempre que um abalo econômico atinge uma região. Para analistas internacionais, um dos grandes desafios do país é como garantir o abastecimento de alimentos para 1,4 bilhão de pessoas.
A segurança alimentar, portanto, passou a ser um debate estratégico. Não por acaso, Xi Jinping tem insistido desde 2013 que “o prato de arroz do povo chinês precisa ser sempre seguro com nossas mãos firmes e preenchido com grãos chineses”. A covid-19 ainda conduziu o país a buscar maiores garantias de abastecimento, reforçando a produção nacional. No dia 6 de março, ele voltou a repetir seu lema. “As tigelas dos chineses precisam ser abastecidas principalmente com alimentos chineses”, insistiu.
*Com informações da UOL