O ministro Alexandre de Moraes ameaçou tomar uma decisão monocrática para suspender o funcionamento do Telegram, apesar de segurar há 21 meses o julgamento em que o STF (Supremo Tribunal Federal) discute o tema de maneira colegiada.
Em maio de 2020, o magistrado pediu vista (mais tempo para estudar o caso) e interrompeu a análise da ação que debate a legalidade do artigo do Marco Civil da Internet que permite a derrubada de aplicativos de mensagens via decisão judicial.
Embora o regimento do tribunal determine que devoluções de vista devem ocorrer em no máximo 30 dias, Moraes não liberou o caso para retomada de julgamento até hoje.
A discussão do assunto foi iniciada após decisões judiciais de primeira instância que bloquearam o WhatsApp. O processo em curso no STF, porém, discute de maneira mais ampla até onde vai o poder do Judiciário para suspender esses serviços.
Já há dois votos sobre o tema: Rosa Weber se posicionou contra a possibilidade de suspensão de aplicativos desta natureza e Edson Fachin seguiu a mesma linha, mas ressalvou que em um “quadro de violação grave do dever de obediência à legislação” isso poderia ocorrer.
Como não houve mais decisões de primeiro grau para suspender o WhatsApp, a discussão perdeu força e ficou parada na gaveta de Alexandre de Moraes.
Recentemente, no entanto, o assunto voltou à tona após o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) fechar o cerco contra o Telegram, visto como um dos riscos para disseminação de fake news nas eleições deste ano.
As duas ações em tramitação no Supremo foram apresentadas pelo PL e pelo Cidadania. Ambas foram protocoladas em 2016, depois de um juiz de primeira instância determinar o bloqueio do WhatsApp porque a empresa não teria colaborado com as autoridades em uma investigação criminal.
Antes disso, em 2015, um magistrado de São Paulo já havia bloqueado o aplicativo pelo mesmo motivo, em um processo que investigava um homem que já havia sido preso acusado de tráfico de drogas e associação com a facção PCC (Primeiro Comando da Capital).
Quando começou o julgamento, em maio de 2020, Rosa Weber deu um voto enfático contra a possibilidade de suspensão de aplicativos de mensagens.
“Não há na lei nada que autorize a conclusão de ordens de suspensão do serviço de comunicação oferecidos por provedores de aplicativo em caso de decisão judicial”, disse.
A ministra, porém, afirmou que seria possível proferir ordem judicial para ter acesso a conteúdos que envolvam investigações criminais.
Nesse ponto, Fachin divergiu. O ministro disse que não pode haver acesso excepcional, porque a criptografia faz parte de um mecanismo para segurança dos dados e sua alteração poderia gerar vulnerabilidade no sistema.
“Por entender que o risco causado pelo uso da criptografia ainda não justifica a imposição de soluções que envolvam acesso excepcional ou ainda outras soluções que diminuam a proteção garantida por uma criptografia forte, penso que não há como obrigar que as aplicações de internet que ofereçam criptografia ponta a ponta quebrem o sigilo do conteúdo de comunicações”, afirmou.
Agora, Fachin tornou-se presidente do TSE, cargo que ocupará até agosto, e tem o desafio de preparar as eleições de 2022 e evitar que haja a disseminação de notícias falsas como ocorreu no último pleito presidencial. Depois dele, Moraes assumirá a presidência do tribunal.
O bloqueio do Telegram passou a ser cogitado porque o aplicativo é visto como um dos meios mais fáceis para propagação de fake news.
A análise decorre do fato de o aplicativo ter pouca moderação e uma estrutura propícia para viralização de conteúdos.
Além disso, a irritação de ministros com o aplicativo também aumentou devido ao fato de a empresa não responder a notificações e chamados da Justiça.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, enquanto ignora o Judiciário, o Telegram mantém representação no Brasil há sete anos para tratar de assuntos de seu interesse junto a órgãos do governo federal.
Os poderes de representação foram conferidos pelo empresário russo Palev Durov, um dos fundadores e CEO da empresa, ao escritório Araripe & Associados, com sede no Rio de Janeiro. Entre as articulações, a empresa atuou no processo do registro da marca do aplicativo em tramitação no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial).
Enquanto isso, a plataforma tem escapado de ordens e pedidos de autoridades brasileiras, inclusive do TSE e do STF (Supremo Tribunal Federal).
Em 25 de fevereiro, porém, Moraes ameaçou suspender o aplicativo caso os perfis do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos não fossem bloqueados, e pela primeira vez a empresa obedeceu uma ordem judicial brasileira.
“A efetivação da determinação judicial de bloqueio [dos perfis] deverá ocorrer no prazo máximo de 24 horas, sob pena de suspensão dos serviços do Telegram no Brasil, pelo prazo inicial de 48 horas”, disse.
Os movimentos do tribunal eleitoral despertaram reação na militância bolsonarista e do próprio chefe do Executivo. Depois de o tribunal eleitoral fechar o cerco ao aplicativo, o presidente disse que o governo estava tratando do caso.
Em conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada no fim de janeiro, um apoiador o questionou: “E o Telegram?”.
Bolsonaro respondeu, sem entrar em detalhes sobre o que seria a covardia e quais seriam os seus autores: “É uma covardia o que estão querendo fazer com o Brasil”.
A preocupação do presidente tem um motivo: o canal do chefe do Executivo no aplicativo foi lançado no início de 2021 e já tem mais de 1 milhão de seguidores.
Questionado, o ministro não se manifestou.