Economistas do mercado financeiro calculam que a taxa de desemprego no Brasil, atualmente em 11,6%, seguirá na casa dos dois dígitos pelo menos até 2025. Se isso se confirmar, o país vai completar dez anos consecutivos de desemprego de dois dígitos —isto é, acima de 10%.
Analistas afirmaram que um período tão prolongado de desemprego acima de 10% é desastroso do ponto de vista social e econômico. Segundo eles, por trás do desemprego está a incapacidade do país de obter crescimentos sustentáveis do PIB (Produto Interno Bruto).
Desde 2016, o Brasil vem registrando desemprego acima dos 10%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Os dados do Sistema de Expectativas de Mercado do Banco Central mostram que as projeções do mercado financeiro indicam taxas acima dos 10% pelo menos até 2025. Para os anos seguintes, ainda não há estimativas.
PIB precisa crescer para desemprego cair
Esse período de dez anos, se confirmado, representará o maior intervalo de desemprego de dois dígitos na série histórica do IBGE, que é relativamente recente: ela começou em 2012.
Dados compilados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a partir das pesquisas do IBGE entre 1992 e 2014, sugerem que nesse período também não se verificou desemprego superior a 10% por tanto tempo.
Economistas afirmam que o desemprego elevado é reflexo da crise econômica dos últimos anos.
“Historicamente, é preciso crescer mais de 2% para o desemprego cair. Pelo menos, essa é a nossa experiência até antes da pandemia”, afirma o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Relações Internacionais do Banco Central e sócio da consultoria Schwartsman & Associados.
“Então, muito provavelmente teremos que conviver com o desemprego na casa dos dois dígitos pelo menos nos próximos dois anos.”
Os dados do IBGE e as projeções do mercado, também compiladas pelo Banco Central, revelam as dificuldades de crescimento da economia em meio às sucessivas crises:
Variação do PIB:
- 2012: +1,9% (IBGE)
- 2013: +3%
- 2014: +0,5%
- 2015: -3,5%
- 2016: -3,3%
- 2017: +1,3%
- 2018: +1,8%
- 2019: +1,2%
- 2020: -3,9%
- 2021: +4,5% (projeções do mercado)
- 2022: +0,3%
- 2023: +1,5%
- 2024: +2%
- 2025: +2%
Para o economista Mauro Schneider, da MCM Consultores, o desemprego alto não é uma surpresa.
O passado já não me recomenda muito otimismo. O que complica o quadro, olhando para frente, é que a gente tem um horizonte com expectativas de crescimento com taxas modestas. Em tese, faz parte desse quadro de crescimento modesto uma geração de empregos também modesta.
Mauro Schneider, economista da MCM Consultores
Crise após crise, mercado de trabalho é pressionado
Os economistas afirmam que o prolongamento da crise econômica nos últimos anos acabou por pressionar o mercado de trabalho. O desemprego passou a acelerar em 2014, com crise do governo de Dilma Rousseff. Mais recentemente, surgiu a pandemia do novo coronavírus.
Uma coisa é ter uma recessão por alguns trimestres. Outra coisa é ter uma recessão muito longa, como a de 2014 a 2016, que jogou o desemprego a mais de 10%. Quando o Brasil ameaçou voltar a crescer, veio a pandemia. Assim, teremos toda uma geração, que começa com 18 anos e vai até 25 ou 27 anos, que não vai ter desenvolvido suas habilidades no mercado de trabalho.
Alexandre Schwartsman, economista
Mauro Schneider, da MCM Consultores, diz que o crescimento do PIB em 2021 —cuja taxa ainda será divulgada oficialmente pelo IBGE— foi suficiente apenas para que a atividade econômica voltasse ao nível pré-pandemia.
“Para 2022, a expectativa é de uma economia virtualmente estagnada. Estamos falando de uma sequência de anos muito difíceis, com problemas de demanda nas empresas e ceticismo em relação à capacidade de o Brasil resolver seus problemas estruturais”, afirma o economista. “Esde período longo de crescimento baixo afeta negativamente a oferta de mão de obra.”
Impactos sobre a população
O economista Antonio Corrêa de Lacerda, presidente do Cofecon (Conselho Federal de Economia) e professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), afirma que o desemprego de dois dígitos por dez anos, se confirmado, será “uma verdadeira tragédia, em um país com extrema desigualdade regional e de renda”.
O desemprego é cruel especialmente para os mais pobres, que sofrem mais os seus efeitos, pois dependem diretamente de sua renda para sobreviver. Nas regiões metropolitanas, principalmente, gera um flagelo social, pois leva à desintegração familiar, ao despejo das residências e à própria perda da cidadania.
Antonio Corrêa de Lacerda, presidente do Cofecon
Lacerda diz ainda que cada desempregado a mais significa “um consumidor a menos”. Para ele, o desemprego agrava a condição social da população e, economicamente, “é uma restrição ao crescimento em bases sustentadas, social e ambientalmente.”
Ministro da Fazenda durante o governo de José Sarney, no fim da década de 1980, o economista e sócio da consultoria Tendências, Maílson da Nóbrega, afirma que o desemprego prolongado reduz a possibilidade de ascensão dos trabalhadores.
Há um custo enorme para o país, não apenas em termos financeiros, porque o desemprego prolongado prejudica a capacidade do trabalhador de se qualificar. Alguns economistas chamam isso de histerese, que é a perda da capacidade de resiliência. Você passa a ter uma massa de trabalhadores que não consegue mais disputar o mercado de trabalho.
Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda
Assim como outros economistas, Maílson afirma que o desemprego no Brasil tem origem no baixo crescimento.
O que pode ser feito?
Entre economistas, há discordâncias sobre o que pode ser feito para que o desemprego caia no Brasil. Alguns defendem investimentos do Estado na economia, enquanto outros citam a necessidade de equilibrar as contas públicas, para favorecer a atração de recursos para a produção.
Lacerda avalia que a política econômica atual não estimula a atividade. “O que gera emprego é o crescimento da economia, movido pelo investimento”, afirma. “Sem perspectiva, empresas fecham, eliminando postos de trabalho. As que permanecem demitem trabalhadores em função da crise.”
Alexandre Schwartsman, da consultoria Schwartsman & Associados, diz que não há uma receita clara para acelerar o PIB e, com isso, gerar empregos. Segundo ele, o PIB é uma consequência do andamento da economia.
A visão de Schwartsman é de que, se o governo acelerar os gastos para gerar empregos, como sugerem alguns economistas, o resultado será ainda pior. “Vamos desembocar no problema [de contas públicas] de 2014, que nos levou a dobrar a taxa de desemprego”, alerta.
O ex-ministro Maílson da Nóbrega segue a mesma linha. “Um programa robusto de ação do Estado, para fazer a economia crescer e gerar empregos, pode gerar um efeito contrário”, afirma. “Isso vai resultar num aumento da taxa de juros e dificultar a gestão da dívida pública. A taxa de juros alta vai prejudicar a capacidade de o país crescer.”
O que diz o governo
Em nota ao UOL, o Ministério do Trabalho e Previdência disse que não comenta “projeções individuais ou pontuais” sobre desemprego.
“No entanto, é importante relembrar os últimos dados disponíveis e as previsões a respeito da taxa de desocupação, anunciadas durante a pandemia, que não foram verificadas posteriormente”, afirmou o ministério. “Ainda em 2020, diversas instituições de pesquisa e do mercado financeiro previram taxas de desemprego entre 18% e 23%, considerando o contexto da pandemia de covid-19. Esses resultados não ocorreram nem em 2020 nem em 2021.”
O ministério afirmou ainda que o mercado de trabalho brasileiro apresentou resiliência diante da contração econômica provocada pela pandemia.
Conforme a nota, isso pode ser explicado em parte “pelos mais de 23 milhões de acordos entre 10,5 milhões de trabalhadores e 1,5 milhão de empregadores e pela garantia provisória no emprego, todos decorrentes do BEm (Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda), implementado ao longo de 2020 e 2021.” O Bem permitiu redução de salários e jornada de trabalho durante a pandemia
O Ministério da Economia não comentou especificamente as projeções para o PIB e o desemprego.